Nada te prepara pra perda de um filho. É uma coisa tão impensável que não existe sequer um termo pra isso. Nem em português e nem em outra língua. Não há como definir viúvo ou órfão de filho. Perdi minha filha Vivi, aos nove anos, em um acidente de cavalo durante as férias da família no Nordeste.
O ano era 2002, época em que não havia uma legislação que estabelecesse normas de segurança no turismo e sequer se falava sobre o assunto na imprensa. Esse silêncio me transtornou. Eu queria que falassem sobre o acidente, que as pessoas soubessem que era perigoso. Uma amiga minha jornalista disse que eu não tinha como manter esse assunto na mídia e me deu a ideia de montar uma ONG. Foi assim que tudo começou. No dia 24 de julho daquele ano, quando Vivi completaria 10 anos, ocorreu a festa de inauguração da Associação Férias Vivas - organização que trabalha para a conscientização e criação de uma cultura de segurança no país.
Foi o começo de uma nova vida. Quando criei a ONG, encontrei uma forma de lidar com a perda de minha filha. Eu não sei dizer se fui eu que ajudei a ONG ou se foi a ONG que ajudou a manter-me sã.
Foi concentrando minha atenção nesse novo desafio que consegui transformar meu luto em luta. Gerei muitas conquistas com a ajuda de pessoas incríveis. Ao longo de 15 anos a ONG elaborou, junto ao Ministério do Turismo, as normas técnicas de segurança na ABNT; criou cartilhas para conscientização dos turistas; realizou estudos de gerenciamento de risco; e está lançando agora o aplicativo EU VIVI, voltado para o registro de boas práticas, situações de risco e ocorrências de acidentes no turismo.
É difícil quantificar quantos acidentes essas ações já evitaram, mas se tivermos evitado uma morte, uma apenas, tudo já terá valido a pena. Especialmente se for de uma criança.
Se reinventar é um termo que uso constantemente. As mudanças na nossa vida não acontecem porque a gente quer, às vezes elas te atropelam, passam por cima de você. Você tem que aprender a lidar com isso, se reinventar. Acho que já vivi umas cinco ou seis vidas!
Hoje, eu inicio uma nova etapa com a Férias Vivas: a criação de uma agência de turismo, a UPACK, como forma de gerar recursos pra ONG. Esse é meu novo projeto. Criar novas soluções pros obstáculos do caminho é o que me motiva, sempre tendo a memória de minha filha como combustível.
A ONG é uma grande homenagem pra Vivi, até nos mínimos detalhes, como o nome do aplicativo EU VIVI. Eu brinco que perdi a pessoa física, mas a jurídica é uma homenagem diária à sua memória. Talvez essa história de uma grande adversidade possa inspirar outras pessoas a criar um projeto igualmente transformador.
por Silvia Basile
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